• Ligia Bahia e Mario Scheffer para Folha: “A chantagem sazonal dos planos de saúde”

  • Voltar
13/06/2023 by 

A dupla de pesquisadores do GPDES, Ligia Bahia e Mario Scheffer, publicaram artigo na sessão “Opinião” da Folha de S. Paulo de hoje, 13 de junho de 2023.


É fake news correlacionar mais planos de saúde com o “desafogamento” do SUS. O crescimento do número de clientes nos últimos 30 anos não reduziu filas, tempos de espera nem muito menos reverteu o subfinanciamento crônico da saúde pública.

A chantagem sazonal dos planos de saúde

A ameaça é invariável há décadas; já as desculpas vêm sendo renovadas

Ligia Bahia e Mario Scheffer

Às vésperas do reajuste de 9,63% dos planos de saúde individuais, anunciado pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) na segunda-feira (12), a FenaSaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar) soou o velho toque da corneta em artigo publicado nesta Folha (“A quem interessa a morte da saúde privada?”, 6/6).

A ameaça das operadoras é invariável há décadas, mas as desculpas para escapar da regulamentação vêm sendo renovadas. Antes culpa dos idosos, a elevação de custos e preços é agora atribuída a novas tecnologias e procedimentos caros.

A insistência em mudar o Estatuto do Idoso para permitir reajustes depois dos 60 anos deu lugar a tratativas para restringir coberturas, tanto de pacientes crônicos quanto de crianças com deficiências.

O lobby da saúde suplementar com setores do Superior Tribunal de Justiça tornou taxativo o rol de procedimentos da ANS, o que foi imediatamente desfeito pelo Legislativo.

Representantes de planos, que costumam levar projetos de lei prontos e acabados para parlamentares, podem se dar mal mais uma vez.

O deputado federal Duarte Jr (PSB-MA), atual relator da Comissão de Planos de Saúde, mostrou-se sensível a quem tem dificuldade de pagar boletos após aumentos exorbitantes e perde seus locais costumeiros de atendimento em função do enxugamento das redes credenciadas.

Seu relatório visa aprimorar a legislação no interior das relações entre vendedores, prestadores de serviços e compradores com a equiparação dos chamados contratos “falsos coletivos” aos individuais e maior estabilidade de acesso a hospitais, laboratórios e médicos previsto no momento da aquisição do plano.

Os melhores sistemas de saúde do mundo são os que incluem e têm capacidade para discernir necessidades. Na contramão de experiências históricas e evidências científicas, o mutualismo torto defendido pela FenaSaúde significa racionar cuidados eficazes e efetivos.

O mencionado prejuízo das empresas não é o único indicador de desempenho. Informações sobre transações bem-sucedidas, inclusive perspectivas de expansão da saúde suplementar, são também constantemente divulgadas por outra banda do setor.

A FenaSaúde grita “lobo” ao afirmar que o SUS ficará sobrecarregado e ao pregar a liberação do comércio de produtos de meia resolução

É fake news correlacionar mais planos de saúde com o “desafogamento” do SUS. O crescimento do número de clientes nos últimos 30 anos não reduziu filas, tempos de espera nem muito menos reverteu o subfinanciamento crônico da saúde pública.

Sobreviventes de uma pandemia cuja letalidade foi dramática e vergonhosa ao país, não temos desculpas para cometer mais erros evitáveis.

A sentinela que exagera uma catástrofe que está por vir tende a provocar reação insuficiente ou contrária. Se existe mesmo a crise alegada, a chantagem explícita dos planos de saúde impede a reunião de esforços para resolvê-la.

Deixe seu comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *